30 de janeiro de 2007

sociedade do automóvel

Trabalhar para dirigir, dirigir para trabalhar: compre um carro, liberte-se do transporte público ruim. Aquilo que é público é de ninguém, ou daqueles que não podem pagar. (Trecho da descrição do Sociedade do Automóvel)

(imagem: http://paginas.terra.com.br/arte/sociedadedoautomovel/index.html)

Já faz algum tempo que vendo os vídeos do pirex me encantei pelo "Sociedade do Automóvel".
Concebido originalmente como Trabalho de Conclusão de Curso para a faculdade de jornalismo da PUC-SP, o vídeo de 40min é de autoria de Branca Nunes e Thiago Benicchio.
Numa criativa composição de entrevistas, imagens e músicas, os autores retratam o papel do automóvel na vida paulistana. São abordadas questões relativas aos aspectos sociais, ambientais e urbanos, além da própria saúde -física e mental- da população.
Há também uma visita ao Salão do Automóvel de 2004, o tópico da segurança/blindagem (esse com direito a Sérgio Malandro) e uma amostra de leis do Código Brasileiro de Trânsito que não são nem cumpridas nem fiscalizadas.
E sim, entre os entrevistados temos um arquiteto e urbanista: Nabil Bonduki. Mas isso já é puxar lenha, pois todos os entrevistados tecem colocações muito pertinentes.

Abaixo é possível assistir ao documentário através do Google Video, mas recomendo baixá-lo aqui.
Ah sim, já ia me esquecendo. Se o assunto for de interesse, principalmente em relação às alternativas de transporte, acompanhem o blog apocalipse motorizado, que é dos mesmos autores.



28 de janeiro de 2007

madre hay una sola

Hoje homenagearemos - espero que não postumamente - a árvore da antiga Secretaria do Bispado de Santa Maria.
A incrível Timbaúva (Enterolobium contortissiliquum) de aproximadamente 50 anos de idade foi vítima de um crime ambiental muito comum nos terrenos visados pela construção civil: a mutilação de uma árvore que não pode ser derrubada.
Na madrugada da última sexta-feira alguém executou o cintamento da árvore, que consiste em retirar uma camada anelar do tronco, impedindo que a seiva elaborada retorne das folhas para as raízes. (Lembram do anel de Malpighi?). Não derrubaram, mas conduziram à morte.

Pobre Timbaúva. Que mal fizeste? Terá sido a sombra de todo dia nessa cidade infernal? Terá sido a beleza da tua copa? Oh não, foi o lugar em que resolvestes crescer. Ele pertence aos prédios!!!

Essa Timbaúva faz parte de uma listagem de 73 árvores ornamentais imunes ao corte na cidade de Santa Maria (Lei Municipal 2859, de 1987). Segundo o levantamento de Nara Zamberlan dos Santos e Marcelo Scipioni, até o ano de 2004 já haviam sido cortadas 34 dessas árvores.
Ainda não fui conferir a ferida da Timbaúva, mas torço para que o cabeça-de-vento responsável pelo ato criminoso não tenha feito o serviço direto.

Timbaúva imune ao corte - mas não aos golpes de machado no meio da madrugada. A edificação do Bispado, que ainda aparece na foto, foi demolida no ano passado. (Fonte: SANTOS, N.R.Z.; SCIPIONI, M. Verde Urbano de Santa Maria. 2005 [CD] )


A homenagem fica por conta do som, letra e vídeo da banda argentina Bersuit Vergarabat.

Madre Hay Una Sola
Bersuit Vergarabat

Ciudades gigantes, enormes cloacas…
Viajan torrentes hacia el mar, de un amor que huele mal.
Como anunciándole al cielo, nuestro destino
Se ven las marcas de la muerte, por las ventanas del avión.

El progreso fue un fracaso, fue un suicidio…
La ansiada prosperidad, fue el más pesado vagón.
Para qué un juicio final, si ya, estamos deshechos
una explosión natural, hará una gran selección.

Yo te agradezco… porque aquí estoy
vos sos, mi única madre, con alma y vida yo venero tu jardín.
Te agradezco… aunque me voy
avergonzado por ser parte de la especie, que hoy te viola en un patético festín
Y así, no te libraste de nosotros.

Nuestra desidia fue por tenerte regalada, en creer que no valés nada.
Estás pariendo hijos ciegos, estás cansada.
Aunque tus lágrimas saladas, nos pueden ahogar si quisieras.

Los pocos que te aman, no tienen fuerza.
Como reliquia se pasean, sólo paquetes de turismo son;
no hay más amigos que el sol, no hay más ofrendas,
sólo este ataque mortal, al medio del corazón.

Yo te agradezco… porque aquí estoy
vos sos, mi única madre, con alma y vida yo venero tu jardín.
Te agradezco… aunque me voy
avergonzado por ser parte de la especie, que hoy te viola en un patético festín




PS 1: Poucos anos atrás, cerca de 60 árvores de uma das praias de Torres - RS amanheceram com perfurações nas quais havia sido introduzido herbicida, levando as espécies à morte em pouco tempo. Explicação: para os moradores, as árvores significavam um bloqueio da vista ampla do mar.

PS 2: A música tema desse post foi dedicada para o blog pelo colega-namorado-architect to be-leitor Cássio Lorensini.

27 de janeiro de 2007

space monkey

Boa tarde meus queridos leitores imaginários. Hoje preparei para vocês algo muito mais light, afinal é sábado.



Like a monkey, ready to be shot into space. Space monkey! Ready to sacrifice himself for the greater good.

(Chuck Palahniuk através de Tyler Durden, Clube da Luta)



Space Monkey in the place to be/A massive contradictions in a golden frame/Raising the roof in a calamity way/Completely meretritious of a poke in the eye.

(Placebo, Space Monkey)



So the monkeys wage war./The monkeys make hydrogen bombs./The monkeys have got their whole fucking planet wired up to explode./The monkeys just can’t help it.


(Ernest Cline, Dance Monkeys Dance)



Para quem acha que citações em inglês não são lights o suficiente, fica o aviso de que o vídeo é narrado em inglês, mas tem legenda.



Créditos
Macacos: todos do zoológico da Corbis.
Dance, monkeys, dance: dica de um amigo que matou seu blog, mas que ainda alimenta um flickr.
Texto completo e mp3 - em inglês, bléin bléin - do Dance podem ser encontrados aqui, na página do Ernest Cline.


26 de janeiro de 2007

política da boa vizinhança

Vamos falar sobre Santa Maria. E sobre muros também.
Nos dois últimos anos tive contato com duas diferentes ocupações ilegais de Santa Maria, RS: a Vila Natal e a Estação dos Ventos.
Cada uma delas tem suas particularidades, mas ambas ficam próximas a rios, o Cadena (Natal) e o Vacacaí-Mirim (Estação).
São áreas de ocupação recente, carentes em infra-estrutura e negligenciadas pelo Poder Público.

Mapa parcial de Santa Maria com a localização das duas ocupações ilegais


Há muito para falar sobre as duas, mas vamos aos muros.
A Estação dos Ventos é vizinha das oficinas ferroviárias do km3, atualmente utilizadas pela fábrica de vagões Santa Fé. Em 2006, durante o processo de instalação dessa, a antiga “tela” que cercava as oficinas foi substituída por um extenso muro de concreto. Com isso, a travessia dos moradores em direção à avenida mais próxima foi relegada a uma mera passagem delimitada por esse muro.

O grande muro de concreto demarca a única ligação formal entre a Estação dos Ventos e a Avenida Osvaldo Cruz, onde estão paradas de ônibus, escola e posto de saúde. (Foto: Luis Guilherme Aita Pippi)


Assim a grande fábrica não vê seus vizinhos incômodos e os moradores tampouco (re)conhecem o patrimônio histórico atrás do concreto.

A postura da fábrica de vagões Santa Fé reforça o estado de segregação no qual a comunidade da Estação dos Ventos vive. (Foto: Luis Guilherme Aita Pippi)


"Al otro lado del muro": pavilhões industriais da década de 20. (Foto: Laribari)


Ao contrário desse muro, que não gerou qualquer polêmica na cidade, no fim de 2006 foi dado início à construção do hoje tão falado muro adjacente à Vila Natal.
Aqui a questão é um pouco diferente. Mas, no fim das contas, também não passa de segregação social através de uma barreira física e visual.
A iniciativa da execução do muro da Vila Natal partiu dos moradores – da famigerada classe média – da Vila Noal. Alegando assaltos e insegurança, esses célebres vizinhos organizaram uma popular “vaquinha” e ergueram o muro de 400m de extensão.

Na Vila Natal, o "presente" de 3m de altura foi gentileza dos moradores da Vila Noal. (Fonte: jornal Diário de Santa Maria, edição n° 1450, 24/01/2007)


Atualmente, a imprensa local tem escolhido dias aleatórios para falar sobre o muro Natal/Noal, sem entretanto demonstrar qualquer posicionamento definido sobre o caso. A prefeitura municipal? Até agora não ensaiou sequer palavra.

Quanto ao primeiro caso (Estação dos Ventos/Santa Fé), ninguém discorda que é fundamental para uma indústria proteger seu patrimônio. Entretanto, já foram inventadas maneiras bem mais civilizadas para isso.

Segurança não é sinônimo de concreto. Fechamentos como o acima podem adquirir propriedades anti-escalada e anti-corte, além, é claro, de proporcionarem permeabilidade visual. -Ok, convenhamos, os muros de hoje não são apenas uma questão de segurança, mas também de mascaramento da realidade. (Foto: www.wirewall.com)


Já o segundo caso (Natal/Noal) ilustra o triste estado ao qual chegou nossa sociedade, reflexo da tendência mundial.
Que Muro de Berlim que nada! Aquele foi erguido, destruído e virou capa de disco. (Ah, os anos 80!)
O século 21 nos brinda com o magnífico muro entre Israel e a Cisjordânia e com o muro a ser construído na fronteira dos Estados Unidos com o México. - Esse com direito até a concurso de arquitetura!

Proposta do escritório californiano Eric Owen Moss Architects para a barreira entre os Estados Unidos e México. (Fonte: http://www.ericowenmoss.com/, visto neste artigo da revista Vivercidades)


Mudei de escala muito rápido? Talvez. Mas não há como fugir dessas relações escancaradas.
Só espero que todos esses muros espalhados por aí um dia também venham a figurar apenas nos livros de história.
E dessa vez como um real lembrete do que não devemos jamais repetir, seja nas nossas cidades, seja no planeta.



17 de janeiro de 2007

Barra Grande

Foi-se o tempo da inocência, quando podíamos dizer sobre uma obra “ah, está tudo bem, foi aprovada pelo IBAMA”. (Quer dizer, será que esse tempo realmente existiu?)
Em uma realidade na qual se torna cada vez mais clara a necessidade de preservarmos nossas poucas florestas, casos como o de Barra Grande são vergonhosos.
Construída no rio Pelotas, divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a barragem da Usina Hidrelétrica de Barra Grande formará um lago de inundação de 8.140 ha, dos quais 90% correspondem à floresta primária e em diferentes níveis de regeneração.


A área a ser inundada: mais de 2.000 ha de Florestas Primárias de Araucárias e outros 4.000 ha de florestas em diferentes estados de regeneração, além de campos naturais. (Fonte: APREMAVI)


Como isso é possível?
Vamos colocar do seguinte modo: os responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental e pelo Relatório de Impacto Ambiental “esqueceram” de mencionar os remanescentes da Floresta de Araucárias e assim, em 1999, o IBAMA concedeu a licença ambiental prévia e, dois anos mais tarde, a licença de instalação.
Ó, coitadinho do IBAMA, não? Licenciou uma obra baseado em um relatório falso. Como ele poderia saber, não é?
E o mais interessante é que o furo só veio à tona em 2003, quando o empreendedor precisou pedir ao mesmo órgão a autorização para o corte da floresta que até então não existia.


A barragem de 190m de altura já foi concluída. (Fonte: APREMAVI)


O site da Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (APREMAVI) possui uma seção destinada à Barra Grande. É possível fazer o download de documentos, vídeos, arquivos de áudio e também de um livro em pdf intitulado "Barra Grande, A Hidrelétrica que não viu a Floresta" (do qual foram extraídas as informações acima).


Barra Grande vista no Google Earth. O estrago é evidente.


Uma dica seguida de um aviso: este vídeo de 15 min é bem completo, com imagens aéreas e entrevistas. Mas ver o corte das árvores centenárias e ameaçadas de extinção dá – sem exagero – vontade de chorar.


[Google Earth: -27.6046192047, -51.3267601862]

16 de janeiro de 2007

debut post

Bem, para iniciar vamos ao texto que me inspirou a fazer esse blog.
Publicada em duas edições do Diário Catarinense em novembro 2006, a "receita" é de autoria de Fábio Brüggemann e sintetiza em 20 tópicos os absurdos que estão acontecendo na "Ilha da Magia".


Como destruir uma ilha em vinte lições

Fábio Brüggemann

Existem pessoas que constróem cidades, outros preferem destruí-las. Como em breve haverá um novo plano diretor, vai aqui minha sugestão para facilitar a destruição, mesmo que já tenha iniciado o processo.

1) Habite uma ilha, mas de costas para o mar. Afinal, você ficará cego de tanto vê-lo, que continuar olhando para ele será um suplício. Depois de alguns anos, "se faça de moderno" e transforme toda a orla urbana - inclusive a das lagoas - em estacionamentos para automóveis, e vá tomar café nos postos de gasolina.

2) Esqueça de forma solene a cultura produzida pelos moradores, a começar por destruir todo seu patrimônio material e imaterial, colocando abaixo todo o casario histórico (para quê, né, manter casa velha?) e construa prédios funcionais, e "modernos" . Deixe que intelectuais, arquitetos, urbanistas e especialistas falem o que quiserem, eles costumam não entender nada disso.

3) Como essa gente faz muita porcaria, construa um imenso merdário bem na entrada da cidade, para que turistas e a própria população sinta todos os dias o cheiro daquilo que sabem fazer muito bem.

4) Depois encha a cidade de estátuas extemporâneas e esquisitas, como aquela em homenagem à Polícia Militar, carinhosamente apelidada de "No meu não", e, ao lado do merdário, finque bandeiras enormes.

5) Gaste uma fortuna na construção de um complexo - mas complexo mesmo - de terminais urbanos que fazem a viagem ficar mais lenta do que antes da construção deles. Não dê ouvidos àqueles malas que insistem em achar que investir em transporte marítimo, só porque se habita uma ilha, dará resultado.

6) Aterre todas as orlas, pelo mesmo motivo já citado. Afinal, é muito mar que tem por aí. Precisamos mesmo é de terra e espaços para os automóveis, razão essencial de nossas vidas.

7) Depois de aterrar orlas e baías, convide um dos urbanistas mais importantes do mundo, como Burle Marx, para que faça um projeto de urbanização do aterro. Quando estiver tudo pronto, destrua tudo e coloque ônibus, muitos ônibus, para fazer "não" funcionar aquele complexo citado acima. Para acabar de vez, construa um Centro de Eventos cuja arquitetura, além de tapar a pouca vista do mar, é bem parecida com a do merdário citado antes.

8) Asfalte todas as ruas do centro histórico. Afinal, o turismo depende apenas de bundas, sol e areia, fazendo, ainda, ampliar a velocidade dos carros, aumentando a poluição sonora e os acidentes. Ninguém vai à Europa para ver sua cultura e sua história, ou seus museus. Essa gente gosta mesmo é de ver carros, muitos carros.

9) Reconstrua apenas os pilares do Mítico Miramar, pinte de cor de rosa e deixe inacabado. Afinal, aqui também tem construção que já é ruína.

10) Construa centros de compras (e os chame colonizadamente de shopping, pois somos ingleses ao que parece) bem em cima dos mangues. Ninguém precisa daquele ecossistema cheio de garças, carangueijos e que de nada serve na hora de comprar roupinhas de 200 reais, vindas do Bom Retiro, em São Paulo, por apenas 25.

11) Construa casas penduradas nas encostas das lagoas e dos morros próximos ao mar e desmate tudo em volta, para que tenha mais visão da natureza, antes que outro construa a sua também e desmate e tire a sua visão privilegiada.

12) Desmate, aterre e negocie com a Câmara de Vereadores a ocupação de áreas de preservação permanente por empreendimentos que privatizam a paisagem e os acessos à praia.

13) Evite o incentivo aos esportes adequados ao clima e geografia, tais como o vôo livre, a pesca, a vela, etc, e permita a ocupação de áreas de abastecimento de lençol freático por empreendimentos imobiliários voltados a esportes praticados há anos na Ilha e adorados pelos seus habitantes, como o golfe, por exemplo.

14) Como a Ilha dos Aterros já tem parques demais, doe os parques municipais de preservação para a iniciativa privada explorar os recursos naturais a serem protegidos e as áreas de terra para especulação imobiliária, assim como o Parque Sapiens e o Parque do Rio Vermelho.

15) Ignore os argumentos de técnicos e ambientalistas que só querem impedir o progresso da cidade e utilize as estruturas de instituições públicas para persegui-los até que abram mão das bandeiras preservacionistas e se mudem de cidade e Estado.

16) Construa novos e luxuosos prédios, cada vez mais perto do mar, sem saber pra onde vai o esgoto, venda pra milionários de qualquer lugar do mundo, e depois coloque a culpa nos que vêm de fora pela ocupação desenfreada.

17) Deteste quem pensa um pouco no futuro e que - mesmo ciente de que um dia vai morrer - acha que seus filhos e netos merecem uma ilha um pouco melhor.

18) Seja moderno e diga de boca cheia Ecochato. É muito chique ser contra os ecochatos. Prefira ser ecoburro, que é também muito moderninho.

19) Asfalte ruas que não têm nem nome ainda, nem esgoto. Afinal, o que não aparece não dá voto.

20) Vá embora e não lute contra.