16 de outubro de 2007

desmatamento na Amazônia: a caminho da Nona Maravilha?

"Os esgotos se abrem ao ar livre,
descarregam em vagonetes,
na vala seca do rio.
O lixo forma setenta e sete colinas
que ondulam, habitadas, todas."
(Inácio de Loyola Brandão)

Estou relendo "Não verás país nenhum", de Inácio de Loyola Brandão, publicado em 1981.
A história tem como cenário uma São Paulo "num clima de ridícula e subdesenvolvida ficção científica": uma cidade superpopulosa, cercada para evitar novas migrações, com áreas específicas de circulação para cada pessoa, fichas para água, racionamento, calor insuportável, exército urbano de "Civiltares", comidas artificiais e até cheiros nostálgicos à venda (como o de "Água na Terra Seca").

Ficção científica? (Imagem: Corbis)

Souza, personagem principal, descreve também o que ocorreu com algumas partes do Brasil, ou que costumavam pertencer ao Brasil. A Amazônia, por exemplo, virou um grande deserto. O governo incentivou a exploração predatória, coibiu a divulgação de más notícias, sumiu com cientistas. Um belo dia, um ministro divulgou uma orgulhosa conquista para a nação, "um grande feito deste governo que pensa no futuro". Não era mais só a África que podia se orgulhar do seu belo deserto, o Brasil também possuía "um deserto maravilhoso, centenas de vezes maior que o Saara, mais belo".
O deserto passou a ser conhecido como a Nona Maravilha do mundo. Publicitários divulgavam as vantagens do deserto. Agências de viagens começaram a fazer caravanas.



Inverossímil?
Quantas vezes vemos pegarem uma merda e venderem como progresso?
Quantas vezes ouvimos que as críticas ao "desenvolvimento" representam uma visão limitada?

Inverossímil?
Hoje acordo e a manchete do dia é que o desmatamento no Mato Grosso cresceu 107%.

"Por oito anos abastecemos o mundo de madeira. Convencidos de que não havia problemas, aceitamos que vendessem pedaços da Amazônia. Pequenos trechos, diziam. Áreas escolhidas por cientistas, para que não se alterassem os ecossistemas. Até que um dia, as fotos tiradas pelos satélites revelaram a devastação. Todo o miolo da floresta dizimado, irremediavelmente. O resto durou pouco, em alguns anos o deserto tomou conta."
(Inácio de Loyola Brandão)

O ser humano é mesmo um bicho burro.

PS: Falei da Nona Maravilha pela coincidência da notícia, mas o livro é muito mais do que catástrofes ambientais, ele aborda as relações humanas, a divisão da sociedade, a corrupção dos que detêm o poder, a cidade setorizada aos moldes de Brasília... e um furo na mão de Souza. :)

PS 2: Este vídeo mostra o que tem sido feito em nome do progre$$o, permitindo o avanço do cultivo da soja em detrimento da preservação da floresta. Grileiros, agronegócio, êxodo rural, impactos ambientais e humanos.


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