12 de novembro de 2007

hugo taylor x carrefour

Foi inaugurado no fim de outubro o hipermercado Carrefour em Santa Maria-RS. A obra motivou discussões desde que foi anunciada, no início do ano. Uma das grandes críticas era que mais um mercado de grande porte (a cidade já tem as redes Big e Nacional) iria ser fatal para os pequenos mercados.

A minha opinião é que a vinda do Carrefour foi muito boa, como mercado em si. Mas aí entramos no segundo ponto de conflito.

Quando é de se esperar que um investimento de tal porte procure um local de fácil acesso e com um terreno grande o suficiente para permitir um projeto adequado a esse tipo de uso, o que a rede francesa fez? Optou por se estabelecer no prédio da antiga Escola de Artes e Ofícios Hugo Taylor.

[Para quem não conhece: o prédio de 1922 é uma das construções mais significativas do passado ferroviário de Santa Maria. Já foi incendiada criminosamente e sofria com um grande abandono nos últimos anos.]

Hugo Taylor (2006) e Carrefour (2007): fachada para a Avenida Rio Branco.
(Fotos: Laribari e Cássio Lorensini)

Revitalizar prédios com novos usos é uma atitude louvável. Mas esses usos precisam ser compatíveis e a intervenção precisa respeitar o caráter histórico.
Indo mais além: mesmo que o local fosse um lote vago, a infra-estrutura do seu entorno não é apropriada para um hipermercado. A rua lateral, Andradas, já tinha grandes congestionamentos há muito tempo. É uma via estreita, com apenas duas pistas e estacionamento, pela qual passa um grande fluxo, inclusive muitas das linhas de transporte público da cidade.
A Avenida Rio Branco, na qual fica o acesso principal da edificação, possui características mais adequadas a um maior fluxo de veículos, mas se encontra, de maneira geral, abandonada e subutilizada - e permanece assim mesmo após a inauguração do mercado.

Hugo Taylor (2006) e Carrefour (2007): fundos e lateral para a Rua dos Andradas.
(Fotos: Laribari e Cássio Lorensini)

O projeto é o mais óbvio possível: mantiveram apenas a carcaça da fachada lateral e da fachada frontal, demolindo praticamente todo o resto da antiga escola. Uma capela com obras-de-arte significativas foi transformada em um café. O restante é o programa básico de hipermercados: estacionamento e um grande galpão no qual estão expostos os produtos.

Hugo Taylor (2006) e Carrefour (2007): detalhe de uma lateral. O "puxadinho" na cobertura foi removido, as árvores também.
(Fotos: Laribari e Cássio Lorensini)

Apesar de terem tido um certo cuidado com a fachada da frente, deixando a publicidade de forma discreta, a fachada lateral do novo edifício é agressiva. Suas cores são de extremo mal gosto e, por ter sido erguida junto ao passeio e com grande altura, ela se torna opressiva para o pedestre que passa pela Andradas. É o legítimo paredão fora de escala.

Carrefour: vista da Rua dos Andradas. Além da via ser estreita para tanto fluxo, os passeios são igualmente pequenos. Para completar, o aclive é acentuado.
(Foto: Cássio Lorensini, 2007)

A obra nova é apenas uma obra de engenharia, executada em tempo recorde para os padrões de Santa Maria e caracterizada por elementos pré-fabricados. Mas peca muito em acabamento e em qualidade de projeto.

Um exemplo mais gritante dessa minha última crítica é o destino dado à área das Tamareiras. Qualquer projetista com um pingo de bom-senso teria transformado aquele local em um ponto de encontro e de estar ao ar-livre, provavelmente associado a um estabelecimento de alimentação.
Mas aqui foi privilegiada a construção máxima, favorecida pelo novo Plano Diretor e suas permissividades quanto ao índice de ocupação.
As árvores foram removidas com a promessa de serem replantadas em alguma área verde pública. Para variar, o serviço foi tão mal-feito que elas morreram esperando o replantio.

Hugo Taylor 2006: área com vegetação significativa. As árvores foram todas removidas para a construção do hipermercado.
(Foto: Laribari)

Não acho não que esse tipo de edificação histórica só serve para abrigar museus, centros culturais e afins. Adoraria se fosse uma Pinacoteca ou um MARGS, é verdade. Mas acredito que até mesmo como comércio poderia ter dado certo.
Sei lá. O Carrefour poderia ter se inspirado no Nacional, por exemplo, que possui um mercado maior na Avenida Medianeira e uma pequena filial no centro. Poderia ter ocupado menos, restaurado mais, feito um pequeno centro comercial (edificação antiga) associado ao mercado (edificação nova). Ter construído menos, deixado mais áreas livres, como uma pequena praça com sombra e bancos - ambos tão escassos em Santa Maria. E ter feito o seu mega-empreendimento em uma área melhor, obedecendo à série de estudos que deveriam ter existido para sua implantação.

Corredores com arcadas do antigo prédio do Hugo Taylor. Perdidos para sempre com a construção do Carrefour.
(Foto: Laribari, 2006)

Entrevistado na inauguração do hipermercado, o prefeito Valdeci fez um comentário singelo quanto ao caos que a obra causou para a vizinhança e para as ruas próximas. Valdeci respondeu com mais uma das suas pérolas: "Um transtorno como este que tivemos aqui, como no trânsito, por exemplo, eu gostaria de ter a cada meio ano. Isso mostra o que a cidade está ganhando e crescendo com isso também" (Fonte: RS Virtual).
Que parâmetros!

Uma coisa é certa: enquanto continuarmos agindo dessa maneira, que tudo permite em nome do lucro e da promessa de não sei quantos empregos, a cidade continuará perdendo em qualidade de vida.


  • Para saber mais sobre o patrimônio ferroviário em Santa Maria, leia: MELLO, 2005 - O imaginário do espaço: a ferrovia em Santa Maria RS.

  • Para saber mais sobre as questões urbanas de Santa Maria, leia: PIPPI et. al., 2007 - Equívocos no planejamento urbano de Santa Maria - RS.