17 de fevereiro de 2007

lagoinha do leste

Dica de trilha para o carnaval

Das várias praias de Floripa, poucas ainda estão em estado praticamente "virgem", inalteradas substancialmente em sua formação original.
Isso só é possível quando a praia é de díficil acesso. Já se sabe, chegou o asfalto, chegou o progresso, chegaram os turistas, mudou a paisagem.
Lagoinha do Leste (sudeste, na verdade) é um desses recantos ainda protegidos na capital. Essa proteção se deve muito ao fato da condição geográfica da praia, situada entre morros. A praia e seu entorno fazem parte do Parque Municipal da Lagoinha do Leste, que possui 804,10ha (Lei Municipal n°3701/1992).

Localização da Praia da Lagoinha do Leste e principais trilhas. (Editado por Laribari e Cássio, a partir da imagem de satélite disponível no Google Earth)


Há duas principais trilhas de acesso à Lagoinha, uma delas por Armação/Matadeiro, com duração de cerca de 3h e trechos de mata mais fechada e outra por Pântano do Sul.
Como só fui até a metade da trilha de Matadeiro (precisa-se ir com tempo, o que não era meu caso) vou recomendar a trilha de Pântano do Sul, que é bem marcada e demora em média 1h.

Lagoinha do Leste (Imagem de satélite disponível no Google Earth)


O início da trilha é em uma rua bem íngreme um pouco antes da praia, à esquerda. Quase no fim dessa ruazinha há uma placa indicativa do início da trilha (à esquerda também).
Basicamente o percurso é de subir o morro para depois descê-lo. A trilha é super tranqüila para fazer e nessa época do ano é relativamente bem freqüentada. Em um dos pontos mais elevados tem um mirante da Lagoinha e de Pântano, infelizmente necessitando de reparos e manutenção.
É indicado ir com calçado fechado: pode ter trechos embarrados próximos a riachos e a descida se faz por uma parte de pedras.

Padrão de vegetação e solo na maior parte da trilha.
(Foto: Cássio Lorensini)

Vista da praia de Pântano do Sul a partir do mirante.
(Foto: Cássio Lorensini)


A paisagem da Lagoinha encanta por ser de uma praia única: dunas, restinga, laguna, costões rochosos, mata atlântica. O mar tende a ser gelado e bravio, por isso a concentração de pessoas é junto ao braço de comunicação entre a lagoa e o mar. Ali a água é calma, rasa e com boa temperatura.

Lagoinha do Leste vista do último trecho de descida da trilha.
(Foto: Cássio Lorensini)


Local de encontro entre a lagoa e o mar, propício para banho.
(Foto: Cássio Lorensini)


Muitas pessoas acampam na praia e cabe lembrar que não há prestação de serviço ou comércio no local. Durante esses meses de alta temporada tem apenas uma barraquinha próximo à lagoa onde vendem água e caldo de cana. -Ou seja, levar comida e água.

Outra opção ainda para chegar à praia (ou voltar dela) é o passeio de barco. Eles saem de Pântano do Sul e cobram 10 reais por pessoa a ida e 10 reais a volta. Demora uns 30 minutos e é importante consultar os horários em Pântano. Esse passeio também é bem interessante por possibilitar a vista de algumas das ilhas do sul e dos paredões rochosos entre a Lagoinha e Pântano. Como eles dependem da condição do mar, não sendo garantidos diariamente.

A única decepção na minha passagem encantada pela Lagoinha do Leste foi encontrar lixo na areia. É, l-i-x-o. Imagina-se que pessoas que procuram tal local, tão natural, possuem uma certa consciência ecológica e vão zelar pelos ecossistemas presentes na área. Levar o lixo produzido embora é regra básica. Mas pelo visto negligenciada. Que o digam as embalagens de salgadinho e as pets espalhadas perto da lagoa.
Outro ponto que poderia ser melhorado é a sinalização da trilha, pois muitas placas já estão apagadas. Mesmo assim, é muito difícil se perder nela. (Já não digo o mesmo da de Matadeiro).

É isso aí, dica dada. Aproveitem que vale muito a pena.


Panorâmica a partir da trilha de Pântano do Sul. Clique para ver maior. (Fotos e montagem: Cássio Lorensini)


Panorâmica a partir das dunas junto à lagoa. Clique para ver maior. (Fotos e montagem: Cássio Lorensini)



[Google Earth: -27.7731110793, -48.4857066785]



PS 1: Segunda dica que complementa a primeira. O livro “Trilhas e Caminhos da Ilha de Santa Catarina”, de Augusto Zeferino e Victor Carlson, é super útil, e traz além dessa outras 35 trilhas de Floripa.
PS 2: Geralmente as pessoas vão pela trilha de Matadeiro e retornam pela trilha de Pântano do Sul. Parece ser uma opção bacana, mas para isso é necessário tempo - e preparo físico. Afinal, ninguém vai querer conhecer a lagoinha "de passagem".



15 de fevereiro de 2007

para chinês ver

Aconteceu ontem. Tenho um vício incontrolável de abrir a página inicial do Terra regularmente. É prato cheio para notícias inúteis e alarmantes, mas às vezes tem algo que presta. Não foi o caso de ontem.
A manchete era inacreditável: "Chineses pintam montanha e fingem reflorestamento" . Mais inacreditável ainda abrir a notícia e ver uma montanha com uma parte em um verde fosforescente. "Photoshop, na certa" foi meu primeiro pensamento. Provavelmente mais uma daquelas notícias que plantam e que os "veículos de comunicação" passam adiante sem checar a veracidade. Procurei um pouquinho por "fumin + china + green" e logo desisti.

Montanha chinesa em versão "overlay". (Imagem daqui)


Hoje vi de novo a foto da montanha esverdeada. "Tá, talvez seja verdade."
Dediquei-me mais às palavrinhas no Google e então encontrei jornais internacionais noticiando a mesma coisa.

A mesma montanha em versão "pin light". (Imagem daqui)


Especulações diversas para uma antiga pedreira pintada de verde (por 470,000 yuan = US$60,600 = €46,600). Alguns dizem que a cor foi recomendada pelo feng shui(!). Outros, que é uma tentativa de chamar atenção para a proteção ambiental(!). A versão aparentemente oficial é a que reflorestar com ÁRVORES seria muito caro, então o governo decidiu pintar mesmo(!).
O mais interessante é que sequer os supostos pintores da montanha -trabalhadores contratados- sabem dizer a razão de tal atitude. "Nós recebemos ordens e cumprimos", ou algo do estilo, foi dito por eles.

Assim de perto e com calunga parece mais real? (Imagem daqui)


Com meu vasto conhecimento da China, tudo que sei é que Fumin realmente existe. (Ontem nem nisso eu acreditava). Fica a 40 quilômetros de Kunming(!). Achei no Google Earth e o condado é mesmo encravado nas montanhas, sendo, inclusive, famoso -antes disso tudo- pela prática esportiva de escaladas.

Seja qual for a razão dessa loucura, definitivamente eu preferia que fosse Photoshop.


[Google Earth: 25.2496609025, 102.498816803]


Oba! Também quero brincar de pintar montanhas!! (Imagem toscamente editada, original encontrada na Corbis)



13 de fevereiro de 2007

ecologia da paisagem

Enquanto muitos cursos de Arquitetura e seus respectivos filhotes ainda acham que o que nos compete e interessa é o "paisagismo" de fazer jardinzinhos e que "desenho urbano" é tão somente traçar ruas e estabelecer posições de bocas-de-lobo, universidades e profissionais realmente fundamentados e integrados às questões atuais dão um verdadeiro show de bola.


Um dos enfoques possíveis nesse vasto campo de exploração sobre o meio urbano é o da "ecologia da paisagem" ou, como chamam lá fora, "landscape ecology".
Não vou fingir que entendo muito dessa área; faz pouco que desvendaram meus olhos. Entretanto, lembro que é através desse estudo que se trabalha com conceitos como "conectividade, fragmentação, matriz, corredor, rede e mosaico".
É assim, estudando a dinâmica da paisagem e a sua utilização pelos indivíduos, populações e comunidades, que se possibilita a criação de uma base teórica-conceitual capaz de orientar decisões de planejamento e de gestão urbana, evitando e/ou resolvendo conflitos ambientais e qualificando positivamente nossas cidades.


No Brasil já há algumas universidades que acrescentaram a disciplina aos seus currículos, algumas na graduação, mas em sua maioria na pós-graduação. É claro que por fundir conhecimentos de geografia e de ecologia, muitas profissões se valem desses conhecimentos, sendo a arquitetura apenas uma delas.
(Esse é o meu ponto. A arquitetura PRECISA ser uma delas.)

No exterior há diversos centros de estudos avançados que adotam essa ótica de análise. Algumas cidades também já passam a criar um repertório de ações de "ecologia da paisagem". Uma delas é Barcelona, para qual Richard Forman desenvolveu uma concepção de planejamento regional baseado no mosaico territorial da região metropolitana.


Uma boa procurada na internet e nas bibliografias especializadas trará mais entendimento sobre o assunto. É o que tenho procurado fazer, e nessa busca me deparei com o site de uma professora da York University, Toronto.

Carmela Canzonieri tem um currículo invejável: graduação em Arquitetura em Roma, mestrado em Arquitetura Paisagística em Havard e PhD em Planejamento Urbano e Regional em Massachusetts; além de trabalhos profissionais na Itália, Estados Unidos, França e Espanha.
No site é possível acessar o conteúdo dos cursos que ela ministra: Urban Natural Systems, City Form and Natural Processes: Ecological Approaches to Urban Design, Landscape Ecology in Planning e Environmental Planning & Design Workshop.

Na seção "readings" de cada curso encontram-se autores e artigos utilizados para nas aulas, praticamente todos disponíveis em pdf para download. →ALTAMENTE RECOMENDADO←
Ah sim, as imagens que ilustram esse post são de uma apresentação da Carmela e sua equipe em Denver-Colorado, para o rio South Platte.

Boa leitura!


10 de fevereiro de 2007

kurt halsey frederiksen

Post light de sábado, hoje dedicado ao menino João Hélio Fernandes, 6 anos, arrastado por um carro por 7 quilômetros. Rio de Janeiro, Brasil.

Imagens da nova exposição de Kurt Halsey, "linhas suaves, figuras simples".
Um pouco de ternura para nossos dias.


Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
[...]
Será que é o tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)

(Lenine - Paciência)



8 de fevereiro de 2007

marina da Glória

Ai ai Brasilzinho.
É incrível perceber a maneira com a qual as cidades são conduzidas em nosso país. Como cada um – cidadão, entidade, governo, empresa – pensa apenas no seu próprio mundo, reduzindo as decisões, lutas e investimentos a ações pífias.
Não temos a noção do todo e muito menos do nosso papel nesse palco conjunto. Isso vai do simples jogar chicletes no chão a obras monstruosas.

Agora esta em voga a discussão das obras para o Pan 2007. Bem, começa por aí, PAN no Rio de Janeiro, capital da segurança nacional. Mas tudo bem, aprovada pelo comitê dos jogos, está aí a cidade maravilhosa(!) a todo vapor, tentando deixar tudo brilhando até o inicio das competições.
Então surgem aquelas questõezinhas que são só contratempos para atrasar as obras, coisa de gente que não tem o que fazer, ou melhor (ah, essa sim é boa) daqueles que são contra o desenvolvimento. Nesse caso até contra o PAN ou, até mesmo, contra a possível(!) olimpíada no Rio.

Mascote para o Pan sugerido pelo Kibeloco


Marina da Glória. Parte integrante do Parque do Flamengo (1953-62), por sua vez construído em área aterrada com material do desmonte do morro Santo Antônio. Projeto de Affonso Eduardo Reidy e paisagismo de Roberto Burle Marx.
Tombado ainda em fase de implantação (1965), quando já havia a preocupação de protegê-lo contra a especulação imobiliária.

Parte fundamental do Parque do Flamengo: a Enseada da Glória (Fonte: http://www.marinadagloria.com.br)


Marina da Glória com a praia do Flamengo e o Pão de Açúcar em segundo plano. (Fonte: http://www.rionow.com.br)


Tombado. Oras, todo mundo sabe que tombar significa engessar. Tombamento congela a cidade no tempo, faz com que ela não possa se modificar para atender às novas necessidades da população. Tombar é demonstrar um apego excessivo ao passado, é não querer o novo. É tornar a cidade um museu ao ar-livre, cheio de velharias.
Tá bom, eu paro o discurso antes que alguém não entenda o tom irônico dele. Mas as frases acima e muitas outras barbaridades são endossadas diariamente pelos defensores da ordem e do progresso.

Marina da Glória. Lugar fundamental para a realização de uma modalidade dos Jogos Pan-americanos de 2007, sendo “necessário” para isso um projeto cosmopolita, novíssimo, moderníssimo. O programa de necessidades conta com centro de convenções, shopping center, restaurantes, grande área de estacionamento, loja de conveniências, clube particular e - como não poderia deixar de ser - uma “divisória” de 2m de altura no contorno da marina.

Ilustração surrealista do projeto para a área. Ah, esse 3D Studio faz maravilhas! (Fonte: SIRKIS, A., 2006)


Ai é que começa o problema. Tapumes erguidos, árvores arrancadas na calada da noite, espelho d’água destinado à garagem náutica, aumento da área construída, verticalização, segregação, etc etc...

Simulação volumétrica das alterações previstas na marina através da construção do complexo turístico. (Fonte: OLIVEIRA, A. R. de; BARROSO, C. M. G. 2006, em SOS Parque do Flamengo)


Somente após as obras já terem iniciado é que parece que o mundo se deu conta disso. Então surgiu o parecer tardio do ABAP, um fórum super movimentado na Vitruvius, blog, manifestação de moradores , comunidade no orkut.

Entre embargos e liminares, no fim de janeiro o comitê dos jogos desistiu das obras. O que foi dito? Oras, que não eram assim tão imprescindíveis para o Pan, mas que seriam possivelmente necessárias para as possíveis olimpíadas.
No meio desse lengalenga, a imprensa continua fazendo o que lhe é de praxe: denunciar a cabeça pequena das entidades de proteção patrimonial e ambiental, que não enxergam a importância fundamental de tal empreendimento para a cidade.

Duas citações emblemáticas:

Quero dar vazão tão somente aos meus sentimentos.
Sentimento de tristeza – ao constatar a falta de consideração e decoro em relação à paisagem da nossa cidade – onde tudo parece ser permitido desde que gere proventos para quem quer que seja. Sentimento de insatisfação – por não ter sido dada à sociedade visibilidade necessária desse mega projeto, através de informações precisas, confiáveis e esclarecedoras de seus impactos negativos sobre o Parque, no que diz respeito a seus aspectos físicos, bióticos e sócio econômicos. Sentimento de indignação – pela maneira antidemocrática como todo o processo vem sendo conduzido, lembrando épocas sombrias e sinistras de um passado recente e ainda presente na memória dos que viveram aqueles tempos. Sentimento de repúdio – pelo desrespeito demonstrado nesse projeto para com todos aqueles que deixaram de existir e que legaram à nossa cidade, com seu trabalho, dedicação, persistência, talento e genialidade, um dos parques urbanos mais importantes do mundo. [...]

Fernando Chacel, arquiteto paisagista brasileiro em depoimento na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, junho de 2006




É inconcebível imaginar que o Rio de Janeiro e nossa Baía da Guanabara não possam contar com, pelo menos, uma marina de nível internacional, importante não só para o esporte, mas crucial também para fomentar o turismo náutico. [...] Torcemos para que as autoridades entendam a importância destas obras para o iatismo nacional, que tantas medalhas e vitórias já proporcionaram, e que busquem uma solução pra viabilizar a sua implantação, uma vez que não existe um plano “B” executável. Estas instalações serão importantes , inclusive para nossa candidatura às Olimpíadas 2016.

Federação Brasileira de Vela e Motor em Carta aberta às autoridades, setembro de 2006

"Worst Case Scenario": o futuro concebido pelo arquiteto Victo Lau caso permaneça o descaso para com as paisagens cariocas. (Fonte: FAJARDO, W. 2006)


Tirem suas conclusões. A minha é que o ganho disso tudo está na discussão provocada. Parece que finalmente diferentes atores conseguiram se juntar para discutir a cidade.

Quanto às obras? Também acho que é justamente o que falta: discussão.
Como eu dizia no começo desse longo post: a solução me parece residir em não olhar só para os mundinhos, e sim pensar no bem comum. Tentar ver as perdas e ganhos para cada situação possível e assim escolher a mais equilibrada.

Oras, é tão impossível assim reformar uma marina sem cobrir um espelho d’água? Por que esses projetos precisam sempre aparecerem prontos, impondo-se, destruindo, descaracterizando, agindo de forma megalomaníaca? Não há forma de intervenção mais sutil, mais bem pensada? Forma essa que, além de não denegrir o patrimônio, seja capaz de valorizá-lo ainda mais, não apenas do ponto de vista econômico, mas também levando em consideração um parâmetro que hoje muito vale (ou deveria valer): a qualidade de vida urbana.
Ah, vão aprimorar o que há, manter passeios, repor espécies, reforçar iluminação... por favor!



[Google Earth: -22.9192997738, -43.1699017796]