8 de fevereiro de 2007

marina da Glória

Ai ai Brasilzinho.
É incrível perceber a maneira com a qual as cidades são conduzidas em nosso país. Como cada um – cidadão, entidade, governo, empresa – pensa apenas no seu próprio mundo, reduzindo as decisões, lutas e investimentos a ações pífias.
Não temos a noção do todo e muito menos do nosso papel nesse palco conjunto. Isso vai do simples jogar chicletes no chão a obras monstruosas.

Agora esta em voga a discussão das obras para o Pan 2007. Bem, começa por aí, PAN no Rio de Janeiro, capital da segurança nacional. Mas tudo bem, aprovada pelo comitê dos jogos, está aí a cidade maravilhosa(!) a todo vapor, tentando deixar tudo brilhando até o inicio das competições.
Então surgem aquelas questõezinhas que são só contratempos para atrasar as obras, coisa de gente que não tem o que fazer, ou melhor (ah, essa sim é boa) daqueles que são contra o desenvolvimento. Nesse caso até contra o PAN ou, até mesmo, contra a possível(!) olimpíada no Rio.

Mascote para o Pan sugerido pelo Kibeloco


Marina da Glória. Parte integrante do Parque do Flamengo (1953-62), por sua vez construído em área aterrada com material do desmonte do morro Santo Antônio. Projeto de Affonso Eduardo Reidy e paisagismo de Roberto Burle Marx.
Tombado ainda em fase de implantação (1965), quando já havia a preocupação de protegê-lo contra a especulação imobiliária.

Parte fundamental do Parque do Flamengo: a Enseada da Glória (Fonte: http://www.marinadagloria.com.br)


Marina da Glória com a praia do Flamengo e o Pão de Açúcar em segundo plano. (Fonte: http://www.rionow.com.br)


Tombado. Oras, todo mundo sabe que tombar significa engessar. Tombamento congela a cidade no tempo, faz com que ela não possa se modificar para atender às novas necessidades da população. Tombar é demonstrar um apego excessivo ao passado, é não querer o novo. É tornar a cidade um museu ao ar-livre, cheio de velharias.
Tá bom, eu paro o discurso antes que alguém não entenda o tom irônico dele. Mas as frases acima e muitas outras barbaridades são endossadas diariamente pelos defensores da ordem e do progresso.

Marina da Glória. Lugar fundamental para a realização de uma modalidade dos Jogos Pan-americanos de 2007, sendo “necessário” para isso um projeto cosmopolita, novíssimo, moderníssimo. O programa de necessidades conta com centro de convenções, shopping center, restaurantes, grande área de estacionamento, loja de conveniências, clube particular e - como não poderia deixar de ser - uma “divisória” de 2m de altura no contorno da marina.

Ilustração surrealista do projeto para a área. Ah, esse 3D Studio faz maravilhas! (Fonte: SIRKIS, A., 2006)


Ai é que começa o problema. Tapumes erguidos, árvores arrancadas na calada da noite, espelho d’água destinado à garagem náutica, aumento da área construída, verticalização, segregação, etc etc...

Simulação volumétrica das alterações previstas na marina através da construção do complexo turístico. (Fonte: OLIVEIRA, A. R. de; BARROSO, C. M. G. 2006, em SOS Parque do Flamengo)


Somente após as obras já terem iniciado é que parece que o mundo se deu conta disso. Então surgiu o parecer tardio do ABAP, um fórum super movimentado na Vitruvius, blog, manifestação de moradores , comunidade no orkut.

Entre embargos e liminares, no fim de janeiro o comitê dos jogos desistiu das obras. O que foi dito? Oras, que não eram assim tão imprescindíveis para o Pan, mas que seriam possivelmente necessárias para as possíveis olimpíadas.
No meio desse lengalenga, a imprensa continua fazendo o que lhe é de praxe: denunciar a cabeça pequena das entidades de proteção patrimonial e ambiental, que não enxergam a importância fundamental de tal empreendimento para a cidade.

Duas citações emblemáticas:

Quero dar vazão tão somente aos meus sentimentos.
Sentimento de tristeza – ao constatar a falta de consideração e decoro em relação à paisagem da nossa cidade – onde tudo parece ser permitido desde que gere proventos para quem quer que seja. Sentimento de insatisfação – por não ter sido dada à sociedade visibilidade necessária desse mega projeto, através de informações precisas, confiáveis e esclarecedoras de seus impactos negativos sobre o Parque, no que diz respeito a seus aspectos físicos, bióticos e sócio econômicos. Sentimento de indignação – pela maneira antidemocrática como todo o processo vem sendo conduzido, lembrando épocas sombrias e sinistras de um passado recente e ainda presente na memória dos que viveram aqueles tempos. Sentimento de repúdio – pelo desrespeito demonstrado nesse projeto para com todos aqueles que deixaram de existir e que legaram à nossa cidade, com seu trabalho, dedicação, persistência, talento e genialidade, um dos parques urbanos mais importantes do mundo. [...]

Fernando Chacel, arquiteto paisagista brasileiro em depoimento na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, junho de 2006




É inconcebível imaginar que o Rio de Janeiro e nossa Baía da Guanabara não possam contar com, pelo menos, uma marina de nível internacional, importante não só para o esporte, mas crucial também para fomentar o turismo náutico. [...] Torcemos para que as autoridades entendam a importância destas obras para o iatismo nacional, que tantas medalhas e vitórias já proporcionaram, e que busquem uma solução pra viabilizar a sua implantação, uma vez que não existe um plano “B” executável. Estas instalações serão importantes , inclusive para nossa candidatura às Olimpíadas 2016.

Federação Brasileira de Vela e Motor em Carta aberta às autoridades, setembro de 2006

"Worst Case Scenario": o futuro concebido pelo arquiteto Victo Lau caso permaneça o descaso para com as paisagens cariocas. (Fonte: FAJARDO, W. 2006)


Tirem suas conclusões. A minha é que o ganho disso tudo está na discussão provocada. Parece que finalmente diferentes atores conseguiram se juntar para discutir a cidade.

Quanto às obras? Também acho que é justamente o que falta: discussão.
Como eu dizia no começo desse longo post: a solução me parece residir em não olhar só para os mundinhos, e sim pensar no bem comum. Tentar ver as perdas e ganhos para cada situação possível e assim escolher a mais equilibrada.

Oras, é tão impossível assim reformar uma marina sem cobrir um espelho d’água? Por que esses projetos precisam sempre aparecerem prontos, impondo-se, destruindo, descaracterizando, agindo de forma megalomaníaca? Não há forma de intervenção mais sutil, mais bem pensada? Forma essa que, além de não denegrir o patrimônio, seja capaz de valorizá-lo ainda mais, não apenas do ponto de vista econômico, mas também levando em consideração um parâmetro que hoje muito vale (ou deveria valer): a qualidade de vida urbana.
Ah, vão aprimorar o que há, manter passeios, repor espécies, reforçar iluminação... por favor!



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