marina da Glória
É incrível perceber a maneira com a qual as cidades são conduzidas em nosso país. Como cada um – cidadão, entidade, governo, empresa – pensa apenas no seu próprio mundo, reduzindo as decisões, lutas e investimentos a ações pífias.
Não temos a noção do todo e muito menos do nosso papel nesse palco conjunto. Isso vai do simples jogar chicletes no chão a obras monstruosas.
Então surgem aquelas questõezinhas que são só contratempos para atrasar as obras, coisa de gente que não tem o que fazer, ou melhor (ah, essa sim é boa) daqueles que são contra o desenvolvimento. Nesse caso até contra o PAN ou, até mesmo, contra a possível(!) olimpíada no Rio.
Mascote para o Pan sugerido pelo Kibeloco
Marina da Glória. Parte integrante do Parque do Flamengo (1953-62), por sua vez construído em área aterrada com material do desmonte do morro Santo Antônio. Projeto de Affonso Eduardo Reidy e paisagismo de Roberto Burle Marx.
Tombado ainda em fase de implantação (1965), quando já havia a preocupação de protegê-lo contra a especulação imobiliária.
Parte fundamental do Parque do Flamengo: a Enseada da Glória (Fonte: http://www.marinadagloria.com.br)
Marina da Glória com a praia do Flamengo e o Pão de Açúcar em segundo plano. (Fonte: http://www.rionow.com.br)
Tá bom, eu paro o discurso antes que alguém não entenda o tom irônico dele. Mas as frases acima e muitas outras barbaridades são endossadas diariamente pelos defensores da ordem e do progresso.
Ilustração surrealista do projeto para a área. Ah, esse 3D Studio faz maravilhas! (Fonte: SIRKIS, A., 2006)
Simulação volumétrica das alterações previstas na marina através da construção do complexo turístico. (Fonte: OLIVEIRA, A. R. de; BARROSO, C. M. G. 2006, em SOS Parque do Flamengo)
Somente após as obras já terem iniciado é que parece que o mundo se deu conta disso. Então surgiu o parecer tardio do ABAP, um fórum super movimentado na Vitruvius, blog, manifestação de moradores , comunidade no orkut.
No meio desse lengalenga, a imprensa continua fazendo o que lhe é de praxe: denunciar a cabeça pequena das entidades de proteção patrimonial e ambiental, que não enxergam a importância fundamental de tal empreendimento para a cidade.
Duas citações emblemáticas:
Quero dar vazão tão somente aos meus sentimentos.
Sentimento de tristeza – ao constatar a falta de consideração e decoro em relação à paisagem da nossa cidade – onde tudo parece ser permitido desde que gere proventos para quem quer que seja. Sentimento de insatisfação – por não ter sido dada à sociedade visibilidade necessária desse mega projeto, através de informações precisas, confiáveis e esclarecedoras de seus impactos negativos sobre o Parque, no que diz respeito a seus aspectos físicos, bióticos e sócio econômicos. Sentimento de indignação – pela maneira antidemocrática como todo o processo vem sendo conduzido, lembrando épocas sombrias e sinistras de um passado recente e ainda presente na memória dos que viveram aqueles tempos. Sentimento de repúdio – pelo desrespeito demonstrado nesse projeto para com todos aqueles que deixaram de existir e que legaram à nossa cidade, com seu trabalho, dedicação, persistência, talento e genialidade, um dos parques urbanos mais importantes do mundo. [...]
Fernando Chacel, arquiteto paisagista brasileiro em depoimento na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, junho de 2006
★
É inconcebível imaginar que o Rio de Janeiro e nossa Baía da Guanabara não possam contar com, pelo menos, uma marina de nível internacional, importante não só para o esporte, mas crucial também para fomentar o turismo náutico. [...] Torcemos para que as autoridades entendam a importância destas obras para o iatismo nacional, que tantas medalhas e vitórias já proporcionaram, e que busquem uma solução pra viabilizar a sua implantação, uma vez que não existe um plano “B” executável. Estas instalações serão importantes , inclusive para nossa candidatura às Olimpíadas 2016.
Federação Brasileira de Vela e Motor em Carta aberta às autoridades, setembro de 2006
"Worst Case Scenario": o futuro concebido pelo arquiteto Victo Lau caso permaneça o descaso para com as paisagens cariocas. (Fonte: FAJARDO, W. 2006)
Tirem suas conclusões. A minha é que o ganho disso tudo está na discussão provocada. Parece que finalmente diferentes atores conseguiram se juntar para discutir a cidade.
Ah, vão aprimorar o que há, manter passeios, repor espécies, reforçar iluminação... por favor!
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