26 de janeiro de 2007

política da boa vizinhança

Vamos falar sobre Santa Maria. E sobre muros também.
Nos dois últimos anos tive contato com duas diferentes ocupações ilegais de Santa Maria, RS: a Vila Natal e a Estação dos Ventos.
Cada uma delas tem suas particularidades, mas ambas ficam próximas a rios, o Cadena (Natal) e o Vacacaí-Mirim (Estação).
São áreas de ocupação recente, carentes em infra-estrutura e negligenciadas pelo Poder Público.

Mapa parcial de Santa Maria com a localização das duas ocupações ilegais


Há muito para falar sobre as duas, mas vamos aos muros.
A Estação dos Ventos é vizinha das oficinas ferroviárias do km3, atualmente utilizadas pela fábrica de vagões Santa Fé. Em 2006, durante o processo de instalação dessa, a antiga “tela” que cercava as oficinas foi substituída por um extenso muro de concreto. Com isso, a travessia dos moradores em direção à avenida mais próxima foi relegada a uma mera passagem delimitada por esse muro.

O grande muro de concreto demarca a única ligação formal entre a Estação dos Ventos e a Avenida Osvaldo Cruz, onde estão paradas de ônibus, escola e posto de saúde. (Foto: Luis Guilherme Aita Pippi)


Assim a grande fábrica não vê seus vizinhos incômodos e os moradores tampouco (re)conhecem o patrimônio histórico atrás do concreto.

A postura da fábrica de vagões Santa Fé reforça o estado de segregação no qual a comunidade da Estação dos Ventos vive. (Foto: Luis Guilherme Aita Pippi)


"Al otro lado del muro": pavilhões industriais da década de 20. (Foto: Laribari)


Ao contrário desse muro, que não gerou qualquer polêmica na cidade, no fim de 2006 foi dado início à construção do hoje tão falado muro adjacente à Vila Natal.
Aqui a questão é um pouco diferente. Mas, no fim das contas, também não passa de segregação social através de uma barreira física e visual.
A iniciativa da execução do muro da Vila Natal partiu dos moradores – da famigerada classe média – da Vila Noal. Alegando assaltos e insegurança, esses célebres vizinhos organizaram uma popular “vaquinha” e ergueram o muro de 400m de extensão.

Na Vila Natal, o "presente" de 3m de altura foi gentileza dos moradores da Vila Noal. (Fonte: jornal Diário de Santa Maria, edição n° 1450, 24/01/2007)


Atualmente, a imprensa local tem escolhido dias aleatórios para falar sobre o muro Natal/Noal, sem entretanto demonstrar qualquer posicionamento definido sobre o caso. A prefeitura municipal? Até agora não ensaiou sequer palavra.

Quanto ao primeiro caso (Estação dos Ventos/Santa Fé), ninguém discorda que é fundamental para uma indústria proteger seu patrimônio. Entretanto, já foram inventadas maneiras bem mais civilizadas para isso.

Segurança não é sinônimo de concreto. Fechamentos como o acima podem adquirir propriedades anti-escalada e anti-corte, além, é claro, de proporcionarem permeabilidade visual. -Ok, convenhamos, os muros de hoje não são apenas uma questão de segurança, mas também de mascaramento da realidade. (Foto: www.wirewall.com)


Já o segundo caso (Natal/Noal) ilustra o triste estado ao qual chegou nossa sociedade, reflexo da tendência mundial.
Que Muro de Berlim que nada! Aquele foi erguido, destruído e virou capa de disco. (Ah, os anos 80!)
O século 21 nos brinda com o magnífico muro entre Israel e a Cisjordânia e com o muro a ser construído na fronteira dos Estados Unidos com o México. - Esse com direito até a concurso de arquitetura!

Proposta do escritório californiano Eric Owen Moss Architects para a barreira entre os Estados Unidos e México. (Fonte: http://www.ericowenmoss.com/, visto neste artigo da revista Vivercidades)


Mudei de escala muito rápido? Talvez. Mas não há como fugir dessas relações escancaradas.
Só espero que todos esses muros espalhados por aí um dia também venham a figurar apenas nos livros de história.
E dessa vez como um real lembrete do que não devemos jamais repetir, seja nas nossas cidades, seja no planeta.



Um comentário:

Anônimo disse...

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